
Costumo dizer que 90% das pessoas que têm cachorro não deveriam ter. Ou pelo menos não poderiam nem mereceriam ter. Basta assistir a qualquer episódio de qualquer programa sobre comportamento animal para constatar que o “alvo” do “adestramento” são sempre os donos.
Afinal, eles submetem os cães a uma rotina de estresse, angústia, abandono, insegurança, reforçam – muitas vezes sem perceber – comportamentos negativos, tudo pelo simples prazer de poder fazer um breve carinho no animal quando bem entendem.
Para o cão, é diferente. Ele se adapta, suporta, tolera – mesmo protestando do jeito que pode – todo tipo de mau trato, para obter qualquer migalha de carinho e atenção de seus donos, durante qualquer período de tempo que seja. São segundos, minutos de afeto que “compensam” por horas, meses, décadas ou uma vida inteira de abandono e indiferença.
Daí a bela frase que diz que o cão não vive muito tempo porque já aprendeu a maior lição que um ser vivo pode transmitir ao outro, que é o amor incondicional.

O FIM
Hoje, dia 28 de Dezembro deste bizarro, surreal, distópico e famigerado ano de 2020, a nossa Pretinha nos deixou.
Não sabemos ao certo qual era a sua idade. Cerca de 12, 13 anos, talvez um pouco mais. Como muitas vezes acontece, foi ela quem escolheu sua dona. Muito tempo atrás, quando a Érika descobriu que alguém tinha abandonado a Pretinha na rua por ela ter ficado prenha – ganhou os filhotinhos já na rua, provavelmente – começou a seguir minha mulher do ponto de ônibus até a porta de casa, depois do trabalho, todos os dias. Do nada. Estava protegendo-a em um curto percurso, porém o coração já havia percorrido um longo caminho até o de sua futura, já quase, tutora. Nesta época, Pretinha devia ter 1 ou 2 anos, no máximo.
Um dia, a Erika fechou o portão de casa, com a Pretinha dentro. Um dos filhotes já havia falecido e os outros haviam sido doados pelos moradores da vizinhança há algum tempo. Confusa, olhando constantemente para o portão e para o rosto de sua nova dona, ficou sem saber o que fazer. Cheirava o portão, voltava. Depois de um tempo, veio a explicação: “Você mora aqui agora. E é a minha vez de cuidar de você”. Pronto.
A promessa foi cumprida até o fim.
Pretinha foi muito, muito amada, bem cuidada, paparicada, medicada, vacinada, alimentada de forma adequada quando os dentes já não conseguiam mais triturar a ração, enfim, tudo aquilo que estava ao alcance dos nossos corações, mentes e – bom, do bolso, claro – nós fizemos.
Sua carinha triste contrastava com a alegria dos momentos de brincadeira de forma absolutamente cativante. Uma vira-lata sim, como tantas outras, de nome Pretinha, como tantas outras também.
Mas era a nossa vira-lata. A nossa Pretinha. E nós já sentimos sua falta. Resta o conforto no coração por saber que ela partiu sem dor e sem sofrimento. De causas naturais. Assistida por uma equipe de veterinários, enfermeiros, ajudantes, enfim, toda uma equipe de apoio que também fez tudo que era possível fazer para adiar o inadiável.
Estamos bem. Um pedacinho de nós se foi. A tristeza faz parte. Mas estamos bem, e acreditamos que ela também. Vá em paz, Pretinha. Reencontre aquele seu filhote que faleceu e todos aqueles que já te amaram e também se foram. Você será lembrada para sempre.
